SÃO CARLOS | Conversamos com um Noia: “Como restos e sou um morto-vivo!”

Valério K. é assim que ele prefere ser chamado. Tem 35 anos e já passou por algumas cidades do interior do Estado como Ribeirão Preto, Franca e Taquaritinga e diz que “mora” nas ruas de São Carlos há alguns meses onde procura alguma forma de consumir crack. “Não vou falar que é fácil, sou viciado e só estou falando com você porque me tratou com dignidade”, disse ele depois de me abordar num cruzamento.

Conheci Valério K. num cruzamento perto da Praça Itália. Ele estava parado pedindo dinheiro, tinha uma ferida no pé que sangrava e isso chamou a minha atenção. “Sim, sou um Noia mesmo, é assim que me chamam, não tenho vergonha de falar!”, exclamou.

O Noia da reportagem nos contou que uma vez furtou uma bicicleta numa dessas cidades onde parou, mas que depois largou a magrela numa praça, pois não sabia bem o que fazer com aquilo. Lhe perguntei: “O que você come?” Ele respondeu na hora: “Restos, é que o sobra, tem uma lanchonete que nos dá salgados, mas só pra quem não enche o saco do dono”. Também não quis falar o nome da lanchonete para “preservar” a fonte.

O homem acredita que não tem mais esperança. “Você fica me perguntando se já participei de programas de recuperação, fiz um ou dois, mas a droga comeu minha alma, entrou na minha cabeça, não sei, acho que vou morrer cedo, sou Noia mesmo!”

Segundo Valério K, a cidade de São Carlos tem gente estranha, talvez um pouco mais que as outras. “Uma vez parei numa calçada veio um cara com um porrete e queria me bater, sai correndo, às vezes vamos na linha do trem, em outros lugares, fui até numa praça perto da Santa Casa (Praça XV), eu ando por aqui, mas o olhar de muita gente é dolorido, sou um morto que tá vivo, entende?”

De acordo com Valério K, que não quis dizer onde nasceu, o número de pessoas que usam drogas é gigantesco. “Pensam que somos somente nós (os moradores de rua) que usamos? Está cheio de gente, tem rico, tem pobre, remendado, de tudo um pouco, ela tá por todo lado!”

Perguntei como começou a usar e ele foi claro: “Na escola, fiz até a oitava!”

Perguntei se ele tinha esperança de sair dessa vida, a reposta me surpreendeu: “Tenho esperança de comer hoje, sair da vida, só morrendo, meu irmão!”

Tinha ido ao supermercado e dei para Valério K um pacote de bolacha e pães que havia comprado. Ele sumiu com sua roupa suja, seu cheiro forte e foi embora. Só concedeu a entrevista porque estava num momento de lucidez qualquer. Disse que tinha medicamentos ganhos na rua para curar seu pé.

Triste realidade de São Carlos e outras cidades.

(Por Renato Chimirri/São Carlos em Rede)

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