SÃO CARLOS | “Eles levaram a vida do meu filho. Quero justiça”, diz mãe do menino João Pedro
A manhã desta segunda-feira, 26, era um misto de dor, revolta, tristeza e descaso. Inconformados, familiares receberam a reportagem do São Carlos Agora em uma humilde casa na rua Almir Soares Quatrocchi, no Planalto Verde.
Ali, o pai Fernando Durvalino da Silva Manoel, carpinteiro de 32 anos, a mãe Daiane Godoy da Luz, dona de casa de 31 anos, e os irmãos Dafle, Vitória, Maria Eduarda, Yago, Ana Beatriz, Pablo, Clara e Kaique (os últimos dois adotivos), choram a morte de João Pedro, de apenas um ano e seis meses, ocorrida na noite de sexta-feira, 23, no Hospital Universitário (HU) de São Carlos.
Apelidado pelos familiares como “Gigante da Montanha”, por ser robusto e cheio de saúde, João Pedro deixou saudade para os pais. “Era o filho que mais chamava a atenção. Brincalhão e sorridente. Era o amor na maneira mais sublime que se possa imaginar”, contou a mãe Daiane, com lágrimas nos olhos.
Emocionada, ela disse que a morte do filho foi por negligência médica e irá processar o profissional, bem como o município e o Estado. “Não é por indenização, pois a vida do meu Gigante não volta. É por Justiça, por respeito ao próximo. Somos de uma família trabalhadora e mereceremos ser tratados com dignidade”, desabafou.
Moradores há um ano no Planalto Verde, os pais concederam entrevista. Todavia, somente a mãe conseguiu detalhar os momentos de angústia e de dor que antecederam a morte de João Pedro.
CALVÁRIO…
O calvário de Fernando e Daiane teve início às 15h30 de segunda-feira, 19. O casal, com João Pedro foi até o Hospital Universitário, pois o filho apresentava problemas de saúde. Porém, não pode ser atendido, pois foram orientados a irem até a UPA localizada no Aracy 2 para ter um encaminhamento.
Foram até a unidade de pronto atendimento e por volta das 16h30 João Pedro foi atendido pelo médico que diagnosticou uma gripe forte e congestionamento nasal. Contudo, seria desnecessário retornar ao HU. O profissional teria receitado Dipirona e Rinosoro.
Fernando e Daiane retornaram para casa com o menino. Mas não havia melhora. Pelo contrário: com febre persistente, dores pelo corpo e outros sintomas, João Pedro piorava.
Na sexta-feira, 23, por volta das 20h30, sabendo que não adiantava ir ao até HU, pois não tinha o encaminhamento, os pais de João Pedro retornaram à UPA. Inicialmente uma enfermeira fez a triagem para posterior consulta.
“Quando o João Pedro foi colocado em uma maca, ele caiu de lado. Estava fraquinho, ofegante. Gemia de dor”, relatava a mãe de uma maneira angustiante. “Ele foi encaminhado para o HU com início de pneumonia”, disse. “Mas ele não recebeu no momento nenhum medicamento e nem havia uma ambulância para levar meu filho, pois seu estado de saúde era grave”, comentou Daiane.
Restou ao casal por meios próprios ir ao HU. Mas a caminho, João Pedro perdeu os sentidos. “Ele chorava, chamava pela mamãe, virava os olhinhos. Depois não senti ele respirar mais e sua pulsação parou”, afirmou a mãe.
De acordo com ela, por volta das 21h30 chegaram ao HU, que estava com todas as portas fechadas. “Meu marido estava desesperado e entrou pelo acesso dos médicos. Os portões e portas estavam todas fechadas e era um caso de emergência”, desabafou a mãe. “Lá, tentaram reanimar meu filho. Mas já era tarde”, lamentou.
JUSTIÇA
Devido a morte de João Pedro, funcionários do Hospital Universitário acionaram a Polícia Militar e no plantão policial foi elaborado um boletim de ocorrência de homicídio culposo. “Foi negligência médica”, assegurou Daiane. “Eles levaram a vida do meu filho. Quero justiça”.
A mãe afirmou que durante o período que necessitou da saúde pública, passou por vários contratempos. “O médico não diagnosticou meu filho com precisão. Viram que ele estava mal e nem o entubaram para fornecer oxigênio. Não havia uma ambulância para transportar ele. E o HU só atende com encaminhamento. Mas é o único local em São Carlos que tem pediatras”.
“Meu filho poderia estar vivo”, disse. “Eu não tenho condições de pagar consulta. Dependo da saúde pública. Quero apenas justiça e evitar que outras famílias passem o que estamos passando hoje”, emendou. “É revoltante ver que uma UPA não tem pediatra e o local onde tem, está com a porta fechada e só atende com encaminhamento”.
TRÊS DIAS DE VAZIO
De sábado, 24, dia do enterro de João Pedro até a manhã desta segunda-feira, 26, três dias de vazio na vida de Fernando e Daiane. “Não durmo, não vivo. Tudo aqui lembra ele. Hoje seria o primeiro dia da escolinha dele. Tinha até o material escolar”, diz Daiane com lágrimas nos olhos.
GIGANTE DA MONTANHA
Pequeno, sorridente, robusto e irrequieto. Diante de tantos adjetivos, João Pedro era chamado de Gigante da Montanha. “Agora ele é uma estrelinha e está sentado no colo da vovó. Ele sempre será meu Gigante”, disse a mãe. “Aqui todos são mães, todos são pai. Conseguiram destruir nossa família. Ele tinha uma vida inteira pela frente”.
“PREFEITURA MENTIROSA”
A assessoria de imprensa da Prefeitura Municipal chegou a divulgar uma nota oficial sábado, 24, que estaria dando todo suporte e amparo para a família. Todavia, os familiares negaram a informação.
“A Prefeitura mentiu. A notícia é mentirosa. Eles não deram nenhuma assistência. Não vieram em minha casa e nem no funeral. Por que eles mentem?”, indagou Daiane.
Para Fernando e Daiane, os momentos de angústia que passaram até a morte do filho são irreparáveis. Contudo disse que sentiram descaso por parte do Poder Público. “Os políticos tentam enganar a população. Tentam tapar o sol com a peneira. Votamos no Airton Garcia pois pensávamos que seria um bom prefeito. Nos sentimos enganados e abandonados. Somos lembrados apenas em época de eleição”, desabafou. “Fica claro que a lei para o pobre não existe”.
HUMILDES, MAS NÃO IGNORANTES
Os pais de João Pedro disseram ainda durante a reportagem que sua família é de pessoas humildes, porém trabalhadores. Mas não ignorantes.
Eles afirmaram que desde sexta-feira, ouvem comentários que na UPA não tem pediatras e que deveriam levar diretamente para o HU. Todavia mas eram impedidos de agir assim.
“Queria que cada pessoa que comentou se colocasse em nosso lugar. Fomos obrigados a ir nesta UPA de m…, pois tínhamos que ter o tal encaminhamento, um papel que não vale nada. Não somos ignorantes, mas éramos obrigados a seguir esse trâmite. As pessoas tinham que fechar a boca e ver nossa situação. O que sentimos e o que passamos. Que cada um se coloque em nosso lugar”, finalizou.