OPINIÃO | Vacina não tem nacionalidade 

Fernando José da Costa*

Em 19/10/20 os brasileiros receberam a feliz notícia que o Ministério da Saúde encaminhou ofício ao Instituto Butantan confirmando a intenção do Governo Federal de comprar 46 milhões de vacinas Coronavac, desenvolvida pela farmacêutica chinesa Biotech, em parceria com o Instituto Butantan, pelo preço de US$ 10,30 por dose, apenas limitando a compra à aprovação da Anvisa. Referida compra foi reiterada pelo Ministro da Saúde Eduardo Pazuello, em reunião realizada em 20/10/20, com 24 Governadores e Secretários Estaduais da saúde. Em entrevista à mídia o ministro disse que a vacina do Butantan é brasileira e seu registro vem pela Anvisa brasileira e não chinesa, dando mais segurança e margem de manobra. Disse ainda que a vacina deverá ficar pronta para distribuição pelo SUS um mês antes da vacina de Oxford, bem como que o Instituto Butantan seria responsável por 75% das vacinas compradas pelo SUS. Na mesma reunião com os governadores o Ministério da Saúde anunciou a formalização de um protocolo de intenções para a referida compra.

Lamentavelmente em 21/10/20 fomos surpreendidos com a manifestação do Presidente Bolsonaro que, após trocar mensagens com seguidores em redes sociais, ao se referir à vacina Coronavac como “a vacina chinesa do João Doria”,  simplesmente desautorizou a decisão do Ministro da Saúde, postando em suas redes sociais a seguinte frase: “Para o meu governo, qualquer vacina, antes de ser disponibilizada à população, deverá ser comprovada cientificamente pelo Ministério da Saúde e certificada pela Anvisa. O povo brasileiro não será cobaia de ninguém. Não se justifica um bilionário aporte financeiro num medicamento que sequer ultrapassou sua fase de testagem. Diante do exposto, minha decisão é a de não adquirir a referida vacina.”

Na mesma linha, em 21/10/20, seguindo a diretriz de seu Presidente, surpreendentemente o próprio Ministério da Saúde voltou atrás da referida compra, informando que “Não houve qualquer compromisso com o governo do Estado de São Paulo ou seu governador no sentido de aquisição de vacinas contra convide 19. […] Tratou-se de um protocolo de intenção entre o Ministério da Saúde e o Instituto Butantan sem caráter vinculante, grande parceiro do Ministério da Saúde na produção de vacinas para o programa Nacional das imunizações”. No mesmo dia o Secretário Executivo do Ministério da Saúde, Élcio Franco, disse à TV Brasil que se tratava de uma interpretação equivocada da fala do Ministro da Saúde e que não há qualquer compromisso com o governo do Estado de São Paulo ou com o governador João Dória no sentido de aquisição de vacinas contra a Covid 19.

Feitos estes esclarecimentos, não é de hoje que o Presidente desrespeita decisões de seus Ministros, todavia o que causou perplexidade foram os motivos que levaram Bolsonaro a desautorizar a compra por seu Ministro da Saúde de 46 milhões de doses da vacina chamada Coronavac, que visa combater a maior pandemia que nossa geração viva já enfrentou.

O Presidente justifica que não irá comprar um medicamento que ainda não ultrapassou a fase de testagem, que o povo brasileiro não será cobaia, que não se justifica um aporte bilionário de um medicamento que sequer ultrapassou sua fase de testagem, todavia este mesmo Governo Federal anunciou em 8/10/20 a previsão de compra de 140 milhões de doses de vacinas contra a Covid 19 de outros dois laboratórios, AstraZeneca/Oxford, por 1,9 bilhão de reais, que terá produção nacional pela Fundação Oswaldo Cruz (FioCruz) e pelo consórcio internacional Covax Facility, pelo valor de 2,5 bilhões de reais, ambas em fase de produção e em estágio menos avançado que a vacina Coronavac,  produzida pelo Instituto Butatan.

Portanto, como brasileiro, faço as seguintes indagações ao Presidente Jair Bolsonaro: 1) Se para seu governo qualquer vacina, antes de ser disponibilizada à população deverá ser comprovada cientificamente pelo Ministério da Saúde e certificada pela Anvisa, por que o Governo comprou por 4,4 bilhões de reais, 140 milhões de vacinas da AstraZeneca e do consórcio Covax Facility ainda não aprovadas pela Anvisa? 2) Se o povo brasileiro não será cobaia de ninguém, e não se justifica um bilionário aporte financeiro em um medicamento (Coronavac) que sequer ultrapassou sua fase de testagem, por que o senhor comprou 140 milhões de vacinas por 4,4 bilhões de reais, que igualmente se encontram na fase de testagem? 3) Se o senhor decidiu cancelar uma compra de 46 milhões de doses de vacinas da Coronavac por não ter registro da Anvisa, por que não cancelou a compra das 140 milhões de vacinas, que igualmente não possuem o mesmo registro?

Presidente Bolsonaro, “vacina não tem nacionalidade”, até porque inúmeras outras vacinas e medicamentos produzidos no Brasil possuem insumo estrangeiro, muitos inclusive são chineses, como o da Coronavac e da vacina de Oxford. O mundo espera o surgimento de uma vacina que combata esta tão grave pandemia do coronavírus, que já infectou mais de 45.890.000 pessoas, matou mais de 1.193.000 pessoas, sendo cerca de 159.000 brasileiros e que continua matando diariamente cerca de 7.500 pessoas e que em muitas partes do mundo já tem uma segunda onda da contaminação. Além da saúde, esta pandemia resulta ainda uma gravíssima retração econômica, isolamentos, desemprego etc, que só cessarão quando o mundo conseguir fabricar, produzir e distribuir uma vacina para a população mundial, capaz de combater a contaminação do coronavírus. Temos uma oportunidade ímpar de ser o primeiro, ou um dos primeiros países, apto a produzir para seu povo e para o mundo a vacina que salvará vidas e por estas peço ao nosso chefe do Executivo que reflita sobre sua decisão, deixando de lados questões políticas e proteja seu povo.

(*) Secretário da Justiça e Cidadania do Estado de São Paulo