ALERTA | Possível nova variante do coronavírus é detectada na região

Cepa tem 13 mutações diferentes da linhagem original do SARS-CoV-2, dentre elas a L452R, presente em variantes identificadas na Índia e na Califórnia

 

Pesquisadores da Universidade Estadual Paulista (Unesp) detectaram uma possível nova variante do coronavírus na cidade de Porto Ferreira, situada na região central do estado de São Paulo. Derivada da linhagem B.1.1.28 – prevalente no País na primeira onda da pandemia, em 2020 –, a nova variante apresenta a mutação L452R na região da proteína de espícula (também conhecida como Spike, ou S, responsável pela entrada do vírus nas células humanas).

A mutação L452R coloca a comunidade científica em alerta, por estar associada ao escape de anticorpos neutralizantes, como já observado em duas variantes já identificadas na Califórnia, nos Estados Unidos; mais recentemente, também, na nova variante descrita na Índia, que pode estar associada ao crescimento exponencial do número de casos no país asiático.

Com população estimada de pouco mais de 56,5 mil habitantes, Porto Ferreira fica nas proximidades de Araraquara, uma das primeiras cidades do Sudeste a enfrentar colapso no sistema de saúde em 2021, com a disseminação da variante brasileira P.1 – identificada pela primeira vez em Manaus e hoje prevalente no estado de São Paulo e em várias outras partes do País.

“Nós já atuamos fazendo diagnóstico daquela região, que chamamos de Diretoria Regional de Saúde 3, onde temos Araraquara e as cidades vizinhas”, conta o professor do Instituto de Biotecnologia (IBTEC) do campus Botucatu, João Pessoa Araújo Júnior, integrante da Rede Corona-ômica BR MCTI.

“O que nos levou a buscar esta região, especificamente, foi o fato de termos encontrado as variantes P.1 e P.2 [originária do Rio de Janeiro] numa cidade pequena, que foi Porto Ferreira. Nossa hipótese inicial era: vamos estudar bem essa cidade, porque conseguiremos monitorar qual variante irá prevalecer, a P.1 ou P.2; se alguma tem uma vantagem sobre a outra. Nessa busca, acabamos encontrando a nova variante”, revela.

Dentre 148 amostras do coronavírus coletadas na região e submetidas à análise, 118 foram classificadas como a variante P.1, dezessete amostras como as variantes P.2 ou N.9 (possivelmente também originária do estado de São Paulo), quatro como B1.1.7 (oriunda do Reino Unido) e nove como a provável nova variante. Duas delas, coletadas nos dias 24 de março e 5 de abril de 2021 em Porto Ferreira, apresentaram a mutação L452R na proteína da espícula do vírus, de um total de 13 mutações diferentes da linhagem original do SARS-CoV-2.

“O que nos preocupa é que esta possível nova variante está circulando numa região em que já predominam variantes de preocupação, a P.1 e a B.1.1.7, além da variante P.2. Então, provavelmente, esta nova variante tem alguma vantagem evolutiva; caso contrário, já teria desaparecido ali”, analisa o professor da Unesp. Ele explica que as mutações surgem aleatoriamente e podem capacitar o vírus a aumentar sua transmissão e multiplicação, mas podem desaparecer, caso não cumpram esse propósito.

Estratégia direcionada

O grupo de cientistas da Rede Corona-ômica BR MCTI no interior de São Paulo tem realizado o sequenciamento de Sanger, que utiliza equipamentos mais baratos para direcionar a leitura de uma região específica do genoma do coronavírus, onde estão concentradas as principais mutações já conhecidas. Quem detalha é Cintia Bittar, pesquisadora do Instituto de Biociências, Letras e Ciências Exatas (Ibilce) do campus da Unesp em São José do Rio Preto. Ela é uma das responsáveis pela triagem dasamostras que serão sequenciadas por NGS (sequenciamento de nova geração, que abrange o genoma completo do vírus).

“Nós desenvolvemos uma estratégia que amplifica, por PCR convencional, uma parte que compreende a região RDB da Spike, onde ficam as principais mutações. Com isso, podemos diferenciar as principais variantes em circulação. A vantagem é que, caso apareça alguma outra mutação nessa região, também conseguimos detectar. Fazemos, então, o sequenciamento de NGS”, revela.

Com o intuito de rastrear a circulação local da possível nova variante, 64 amostras de cidades da região foram sequenciadas pelo método de Sanger, direcionado para a região RBD da proteína S, onde se encontra a mutação L452R. Outras sete amostras contendo a mesma mutação foram identificadas, seis de Porto Ferreira e uma no município de Descalvado. Os genomas completos dessas amostras já foram sequenciados e depositados na plataforma internacional Gisaid. De acordo com o informe divulgado pelos cientistas, a sequência mais antiga já depositada da possível nova variante data de fevereiro de 2021, o que sugere o surgimento recente.

“Fizemos uma busca mundial para verificar onde esse conjunto de mutações que nós descrevemos poderia estar presente. Uma ou outra já foi descrita em outros locais, como no Japão. Mas, principalmente as quatro mutações identificadas na região da proteína S, inclusive a L452R, essa combinação é diferente de tudo que já ocorreu no mundo, pelo menos do que já foi publicado”, afirma João Pessoa Araújo Júnior.

Os próximos passos da pesquisa são a continuidade do sequenciamento, o rastreamento dos pacientes cujas amostras foram coletadas e a investigação dos casos para entender o que pode ter contribuído para o surgimento da possível nova variante. Algumas hipóteses são levantadas: um paciente imunossuprimido, por exemplo, pode manter o vírus por mais tempo no organismo, diante da incapacidade de seu sistema imunológico de neutralizá-lo, o que favorece o acúmulo de mutações. Outra possibilidade é que alguém possa ter trazido uma variante ainda não descrita do exterior.

O comunicado sobre a circulação da possível nova variante no Brasil foi divulgado no dia 4 de maio, antes mesmo da publicação do estudo em periódicos científicos internacionais, com o objetivo de alertar os gestores da área da saúde para a tomada rápida de decisões e, assim, conter a transmissão do vírus potencialmente mais transmissível.

“A nova variante que nós identificamos parece estar restrita, ainda, a uma região geográfica. Então, existe a vantagem de trazer um alerta para que medidas sejam tomadas, de modo a tentar evitar que ela se espalhe para outras localidades”, afirma Cintia Bittar Oliva.

O trabalho também contou com a colaboração do Laboratório de Pesquisa em Virologia da Faculdade de Medicina de São José do Rio Preto (Famerp) e da Faculdade de Zootecnia e Engenharia de Alimentos do campus Pirassununga da Universidade de São Paulo (FZEA-USP).