
PAULO MELO
Redação da São Carlos FM
A luta pela igualdade racial em São Carlos tem nome, rosto e muita história. Em uma entrevista emocionada ao Primeira Página no Ar, da São Carlos FM 107,9, na manhã desta terça-feira (07), a chefe de sessão de Políticas para a Promoção da Igualdade Racial de São Carlos, Carmelita Maria da Silva, revisitou uma trajetória marcada pela resistência e pela busca por justiça social. Nascida em Araraquara e criada em São Carlos desde a infância, Carmelita lembra que a luta por igualdade começou dentro de casa, inspirada pela força dos pais e pelas histórias que aprendeu ainda menina.
“Meu pai era professor de História e Geografia e tinha livros que dizia que eu não podia ler porque eram proibidos. Isso me despertava curiosidade. Mais tarde, entendi o porquê. Minha mãe também foi uma inspiração — uma mulher negra, professora de música, que enfrentou o racismo de frente. Ela foi, possivelmente, a primeira regente negra de uma orquestra sinfônica em Araraquara. Um exemplo de força e superação que me acompanha até hoje”, contou Carmelita.
Ela destacou que a luta pela igualdade racial é antiga e, embora tenha avançado, ainda encontra barreiras profundas. “O racismo existe, e quem é negro sente. Às vezes é claro, outras vezes é velado. Nossa cor chega primeiro. Antes do nome, antes da profissão”, afirmou. Carmelita lembra que o preconceito, mesmo quando disfarçado, causa feridas. “Muitos adoecem emocionalmente por causa disso. Há situações em que somos vistos com desconfiança só por existirmos. Eu costumo dizer que as mulheres negras vivem com um medo constante de ver seus companheiros saírem à noite e não voltarem, porque sempre serão considerados suspeitos.”
De volta ao comando do Centro Afro de São Carlos, Carmelita celebrou a nova fase do espaço, que passou a se chamar Centro de Referência Negra. “Retornar foi um presente. O Centro Afro está lindo, reestruturado, com uma das maiores bibliotecas afro-brasileiras da região. Temos livros infantis, infantojuvenis e adultos, todos catalogados com cuidado. É um acervo riquíssimo, fruto de anos de trabalho e de amor à cultura negra”, relatou.
O espaço também abriga salas temáticas, como a Sala Verde — dedicada a personalidades negras da história —, uma sala de alfabetização de jovens e adultos e a tradicional sala de dança, que será reativada com oficinas de dança afro, capoeira e percussão. “O Centro Afro é mais do que uma casa cultural. É um espaço de acolhimento, de escuta, de reconstrução da autoestima. Nós trabalhamos com arte, cultura, educação e também com o social. Quando alguém procura o Centro porque sofreu racismo, nós oferecemos acolhimento psicológico e, quando necessário, encaminhamento jurídico, em parceria com a Secretaria da Cidadania”, explicou.
A gestora ressaltou que o objetivo é descentralizar as ações, levando a pauta da igualdade racial para todos os bairros. “O Centro Afro está no coração da cidade, mas a Carmelita vai onde for preciso. Na periferia é onde as pessoas mais sofrem, onde a exclusão é mais visível. Levar informação, cultura e oportunidades para esses territórios é fundamental. O trabalho não pode ficar restrito a quatro paredes”, defendeu.
Carmelita também destacou a importância da parceria com a Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), que tem aproximado estudantes e professores das políticas de promoção da igualdade racial. “Temos recebido grupos grandes de alunos, muitos deles negros, que se emocionam ao conhecer o Centro Afro. A gente fala sobre ancestralidade, sobre pertencimento. É um intercâmbio de saberes e de vivências que fortalece todos nós.”
Questionada sobre a inserção da juventude negra no mercado de trabalho, Carmelita explicou que há um diálogo constante dentro da secretaria para criar oportunidades. “É uma das nossas prioridades. Precisamos garantir políticas que acolham esses jovens e criem caminhos reais de inclusão. Não se trata apenas de empregar, mas de valorizar o potencial de cada um deles”, disse.
Sobre o futuro do Clube Flor de Maio, símbolo histórico da comunidade negra são-carlense, Carmelita foi categórica. “O Flor de Maio é resistência. É um patrimônio afetivo e histórico. É o único clube negro com essa dimensão no interior paulista. Cada parede daquele espaço carrega a memória de homens e mulheres que lutaram por respeito. Preservar o clube é preservar nossa história e fazer justiça àqueles que vieram antes de nós.”
Com o mês de novembro se aproximando, Carmelita revelou que o Centro Afro já prepara uma programação especial para o Mês da Consciência Negra, incluindo a tradicional Marcha da Resistência, que sai do Centro Afro e segue pela Avenida São Carlos até o Flor de Maio. “É uma marcha de reparação histórica. Todos os anos, ela reafirma que estamos vivos, firmes e que nossa luta não terminou. Este ano teremos surpresas e homenagens muito especiais”, adiantou.
No encerramento da entrevista, Carmelita deixou uma mensagem de esperança e reflexão. “Meu maior sonho é que as pessoas se conscientizem. Que entendam que a cor da pele não define caráter, nem competência. O racismo adoece, machuca, e ele começa a ser vencido pela educação, pelo diálogo e pela empatia. A história do negro é a história do Brasil. E ela precisa ser contada, respeitada e celebrada”, finalizou.
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