
Ausências sem justificativa agravam filas, causam desperdício de recursos e comprometem continuidade do cuidado, alerta Secretaria Municipal de Saúde
A ausência não justificada de pacientes em atendimentos médicos previamente agendados tem se tornado um desafio crítico para o sistema público de saúde em São Carlos, no interior paulista. No primeiro quadrimestre de 2025, mais de 40 mil consultas e exames deixaram de ser realizados na rede municipal por falta de comparecimento dos próprios pacientes — uma taxa média de absenteísmo que ultrapassa os 15% em diversos serviços, chegando a 22,1% em algumas especialidades.
Os dados, divulgados pela Secretaria Municipal de Saúde, revelam que o fenômeno é generalizado, atingindo desde as Unidades Básicas de Saúde (UBS’s) até centros especializados. Só nas UBS’s, foram registradas 18.761 ausências em um total de 95.248 atendimentos agendados — o equivalente a quase um quinto de todas as vagas disponibilizadas. Já nas Unidades de Saúde da Família (USF’s), outras 10.105 consultas foram desperdiçadas.
O secretário de Saúde de São Carlos, Leandro Pilha, classifica o absenteísmo como um dos principais entraves à organização dos serviços de saúde pública. “Cada ausência não comunicada representa uma oportunidade de cuidado perdida e um investimento que não retorna ao sistema”, afirma. “Além do impacto financeiro, isso compromete o diagnóstico precoce, interrompe tratamentos e agrava o estado clínico de quem deveria estar sob acompanhamento contínuo”.
Segundo ele, os reflexos vão além das estatísticas. “Temos profissionais com agenda bloqueada esperando por pacientes que não aparecem, exames com insumos preparados e não utilizados, além de estruturas mobilizadas para nada”, alerta.
O levantamento municipal mostra que, no Centro Municipal de Especialidades (CEME), foram registradas 4.728 faltas em consultas (22,1%) e 736 em exames (16,5%). No Centro de Atendimento Psicossocial (CAPS-II), a taxa de ausência foi de 19,2%. Nem mesmo o Ambulatório de Oncologia, que atende pacientes em situações clínicas delicadas, escapou: 307 faltas foram registradas, o equivalente a 9,9% dos agendamentos.
A diretora de Gestão do Cuidado Ambulatorial, Viviane Cavalcante, destaca que a gestão trabalha com estratégias de engajamento e comunicação. “Não se trata de punir o paciente, mas de promover uma racionalização do uso dos serviços. É preciso que a população entenda que o sistema é coletivo: quando alguém falta sem avisar, outra pessoa perde a chance de ser atendida”, diz.
Campanhas e notificações
Para tentar conter o avanço do problema, a Secretaria já utiliza envio de lembretes via SMS e WhatsApp. Também estuda a implementação de campanhas educativas e mecanismos regulatórios para reincidências injustificadas. “Nosso objetivo é sempre respeitar o direito constitucional à saúde, previsto no artigo 196 da Constituição, mas também garantir o bom uso desse direito”, completa Cavalcante.
A gestão não descarta ainda estudar práticas adotadas por outros municípios, como listas de espera dinâmicas, confirmação obrigatória de agendamento e agilidade na realocação de vagas.
Especialistas da área de saúde pública alertam que o absenteísmo, se não enfrentado com seriedade, pode desorganizar toda a cadeia de atendimento. “Não se trata apenas de presença física, mas de corresponsabilidade no cuidado. Sem ela, qualquer modelo de saúde pública se torna inviável”, resume o médico sanitarista Marcelo Muzzi, da USP.
Confira os números do absenteísmo na Rede Municipal de Saúde (jan-abr/2025):
- CEME – Consultas: 4.728 faltas de 21.411 agendamentos (22,1%)
- CEME – Exames: 736 faltas de 4.453 agendamentos (16,5%)
- UBS (11 unidades): 18.761 faltas de 95.248 atendimentos (19,7%)
- USF (23 unidades): 10.105 faltas de 80.157 atendimentos (12,6%)
- CEO (odontologia): 505 faltas de 3.150 atendimentos (16%)
- CAPS-II: 1.007 faltas de 5.251 atendimentos (19,2%)
- CAPS-AD: 836 faltas de 5.921 atendimentos (14%)
- CAPS-IJ: 221 faltas de 3.262 atendimentos (6,8%)
- Ambulatório de Oncologia: 307 faltas de 3.090 atendimentos (9,9%)
- Ambulatório de Feridas e Ostomias: 63 faltas de 2.493 atendimentos (2,5%)
A Secretaria reforça o apelo: caso não possa comparecer, o paciente deve avisar com antecedência. Isso pode fazer toda a diferença para quem está na fila de espera.