
Em meio às ações que marcam o Setembro Amarelo — mês dedicado à prevenção do suicídio e à conscientização sobre saúde mental — a psicóloga Nathália Chiva advertiu, em entrevista à São Carlos FM, nesta sexta-feira (12), para o caráter muitas vezes silencioso do sofrimento que antecede decisões extremas e para a necessidade de respostas articuladas entre saúde, educação, família e poder público.
Segundo a profissional, a clínica revela com frequência quadros de depressão que não se manifestam nos estereótipos esperados e que, por isso, passam despercebidos até o ponto de risco. “Quando a gente fala de suicídio, não estamos falando de uma doença isolada: é um sintoma. Precisa-se investigar fatores neuroquímicos, vínculos sociais, uso de substâncias e a história de vida daquela pessoa”, explicou Nathália. Para ela, a prevenção exige acompanhamento próximo — incluindo quebra de sigilo em situações de risco — e mobilização da rede de apoio familiar para reduzir acesso a meios letais e monitorar o paciente.
A psicóloga ressaltou ainda que as campanhas públicas, como o Setembro Amarelo, cumpriram papel importante ao “quebrar o tabu” e encorajar relatos e busca por ajuda. “As pessoas se sentem mais encorajadas a falar; plantamos sementes que não se limitam a setembro”, afirmou. Mas Nathália advertiu para a forma como a mídia trata os casos: divulgação sensacionalista do método ou detalhes pode, em situações, induzir comportamentos entre pessoas já ideantes. Ela citou a orientação da Organização Mundial da Saúde (OMS) para a imprensa e defendeu reportagens responsáveis, que informem sem expor ou descrever meios.
Dados, serviços e enigmas: tentativas, gênero e acesso aos meios
Na conversa, Nathália afirmou que o suicídio é hoje a terceira causa de morte entre jovens de 15 a 29 anos — informação amplamente citada em estudos internacionais — e descreveu um cenário onde as tentativas e os óbitos se distribuem de forma diferente por gênero. “As tentativas sem desfecho fatal são mais frequentes entre mulheres, enquanto os óbitos por suicídio são num maior número entre homens.” Para a psicóloga, a discrepância é explicada, em grande parte, pelo acesso a meios mais letais e pela maior letalidade dos métodos mais usados por homens.
A entrevistada também mencionou números alarmantes citados durante o programa: uma estimativa de 84 suicídios por dia no Brasil e uma proporção de cerca de 20 tentativas para cada óbito — dados que, segundo ela, ilustram a dimensão do problema e a importância de políticas de prevenção.
Atendimento emergencial e ferramentas de acolhimento
Nathália explicou aos ouvintes o funcionamento do Centro de Valorização da Vida (CVV) — serviço gratuito de acolhimento emocional e prevenção do suicídio — lembrando que o canal 188 opera 24 horas e atende por telefone e WhatsApp, adaptando-se às preferências de contato de públicos distintos, como adolescentes que preferem escrever a falar. “É um atendimento emergencial, feito por uma equipe técnica preparada, composta por psicólogos e profissionais capacitados”, disse.
Ao abordar a atuação clínica, Nathália descreveu como os terapeutas agem quando um paciente revela ideação suicida: intensificação do acompanhamento — com aumento da frequência de sessões — acionamento da rede de apoio e orientações à família para reduzir riscos imediatos. “No contrato inicial já deixamos claro: em risco de vida o sigilo pode ser quebrado para proteger o paciente”, afirmou.
Trabalho, legislação e prevenção estrutural
Durante o programa, a psicóloga citou também a necessidade de medidas institucionais. “A prevenção do suicídio é além da psicologia; precisa envolver legislativo, educação, saúde e empresas.” Nesse sentido, foi mencionada a NR-1 — norma que, conforme apontado na entrevista, trouxe obrigatoriedade de avaliação dos riscos psicossociais no ambiente de trabalho, demandando das empresas atenção às condições que geram exaustão e burnout entre os funcionários.
Nathália distinguiu estresse e burnout: o primeiro é uma resposta biológica a ameaças e pressões do cotidiano; o segundo, relacionado ao ambiente de trabalho, envolve exaustão decorrente de falta de recursos ou de ferramentas para desempenhar funções — um quadro recorrente entre profissionais de saúde, educação e outras carreiras submetidas a sobrecarga.
A psicóloga insistiu na relevância dos vínculos sociais como fator protetor. “O ser humano não vive sozinho; o isolamento é um sinal e um agravante.” Para pais e responsáveis, a recomendação é a aproximação ativa: incluir o filho na rotina, compartilhar atividades (jogar, praticar esportes, conversar) e buscar tempo de qualidade, não apenas suporte financeiro. Nathália também desmistificou a ideia de que perguntas diretas sobre pensamentos suicidas “induzem” o gesto — ao contrário. “Abrir espaço para falar pode ser a primeira oportunidade que a pessoa tem de pedir ajuda.”
Na avaliação clínica, a especialista apontou a depressão como o principal fator de risco associado ao suicídio, potencializada pelo uso de substâncias e por certos transtornos de personalidade. Sobre tratamentos, defendeu a combinação responsável entre psicoterapia e, quando necessário, medicação: “A medicação trata sintomas; a psicoterapia trabalha a causa e os gatilhos. A medicalização deve ser feita com responsabilidade por uma equipe bem coordenada.”
Relatos e a força de um gesto
O apresentador compartilhou histórias que ilustraram o impacto do acolhimento: o relato de um homem que, ao encontrar um radialista sorridente num supermercado, desistiu de um plano de tirar a própria vida. “Uma palavra certa, no momento certo, pode salvar”, observou Nathália, reforçando a ideia de que gestos cotidianos de atenção têm efeito real na prevenção.
Encerrando a entrevista, a psicóloga listou medidas de promoção de bem-estar com potencial preventivo: práticas regulares de atividade física, alimentação equilibrada, redução do tempo de exposição a notícias e redes sociais, contato com a natureza, lazer, boa leitura e música. Também destacou a importância da espiritualidade, quando presente na vida da pessoa, como fonte de sentido e resiliência.
Como procurar ajuda
A psicóloga e a emissora reforçaram a disponibilidade de serviços de acolhimento: em situações de risco ou desamparo emocional, o CVV atende 24 horas pelo telefone 188 (também por WhatsApp). Profissionais de saúde, serviços de atenção psicossocial municipais, centros de atenção e serviços de emergência são caminhos para buscar avaliação e tratamento.
“Se você está assim, procure um psicólogo, uma psicóloga. A ajuda existe e pode fazer a diferença”, concluiu Nathália Shiva, lembrando que a prevenção é, antes de tudo, uma responsabilidade coletiva — que pede escuta, vigilância aos sinais e políticas públicas que articulem saúde, educação, trabalho e família.
Ouça a entrevista completa com Nathália Chiva na íntegra: